A estrada já não era lá a das melhores, pois não fazia muito que o 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC) havia aberto, então ainda estava rodeada de mata, sem asfalto e com muitos atoleiros no decorrer da BR.
Para surpresa de Mariam, os carros pararam de se movimentar, provocando uma fila enorme de carros e um amontado confuso de pessoas que ora suspiravam, ora resmungavam e ora até faziam coisas piores. Como o tio Carlos, já de nariz vermelho por conta do calor e dos raios solares, era um homem bastante inquieto decidiu averiguar o que tinha acontecido.
As duas mulheres que ficaram à sua espera, com medo do que poderia acontecer com seus pertences se por acaso se ausentassem do local, pularam tamanho foi o medo e o susto quando ouvem os gritos do tio, mas que para alívio era apenas porque retornara ofegante e queria muito contar a novidade que literalmente parara o transito:
- Mas bah tchê, vocês num vão acredita no que acabou de acontecer!? Tem um índio morto em cima do capô de um impala!!!! Ninguém sabe de onde surgiu, mas parece que veio do céu!!!
Mariam, cujas veias corriam o líquido da curiosidade, com o coração pulando pela boca, não se contentou em apenas ouvir de fontes desconhecidas e foi ver com seus próprios olhos o que o tio contara.
A descrição da cena com certeza seria digna de um filme de terror: corpo que parecia não ter ossos devido as proporções estranhas que havia tomado, olhos esbugalhados, sangue que brotava da boca e do nariz como uma cachoeira que distribui sua água para os lugares mais baixos... Enfim, muito triste para pensar que aquele corpo não mais abrigava uma vida, que de maneira alguma poderia ter sido ceifada de maneira tão brutal!
Além de tudo, ainda chamou a atenção o fato de que aquele corpo estava desprovido de roupas, com apenas um pedaço que parecia couro, cobria as partes íntimas do falecido, o que a fez concluir que se tratava de um índio nativo. Segundo o burburinho das pessoas que se avolumavam no entorno do carro que o coitado fora jogado de um avião para ser desovado no Rio Teles Pires, localizado muito próximo da BR naquele ponto, mas provavelmente o bravo guerreiro, agora morto, tinha dificultado a ação.
Mariam não satisfeita com a visão periférica de fora, foi enfiando-se e fazendo-se aceita na multidão, para averiguar com os outros sentidos também. Depois de muitos empurrões e olhares de nojo- seria porque era uma mulher? - conseguiu chegar bem ao lado do corpo, e com espanto viu algo que brilhava entre os dedos fechados com muita força na mão do índio. Disfarçadamente, como se estivesse rezando pela alma daquele ser, aproxima-se ainda mais e retira sorrateiramente o objeto liso e frio.
Segue o caminho da volta para o carro sem nem mesmo ter a consciência de onde e com quem estava, sua cabeça parecia que não acompanhava seu corpo.
Já na presença dos tios, nem mesmo ouve o que eles falam e apenas entra e acomoda-se em seu assento, permanecendo de olhos fechados e cabeça recostada como se dormisse, mas sua massa cinzenta não parava de pensar por nem um segundo...
Escuta, mesmo que parecendo ser em outro planeta, o som de uma sirene e quando sente que o veículo volta a rodar, vê que a polícia liberou a estrada. E logo, a família chega a Itaúba-MT, afinal só faltavam 10 km.
Então Mariam...
